Abraço de família

Imagino que toda família tenha lá seus rituais particulares que servem para reforçar os laços de solidariedade, de cumplicidade entre os membros. Estes rituais funcionam como tijolos na construção de uma “casa” inexpugnável, lugar do afeto e do amor, de uma história comum, de uma tradição compartilhada que perdurará para sempre. Um exemplo clássico é a chamada “piada interna”, aquela que apenas os iniciados entendem e se escangalham de rir e que causam mesmo constrangimento aos demais presentes, que se entreolham como a se perguntar “de quê diabos eles estão falando?”.

O ritual particular dos Sant’Anna Gruman é o abraço de família que, aparentemente, é consequência bem-vinda fruto do ciúme do Miguel ao ver os pais se abraçando, sem mais nem menos. Talvez se sentindo excluído, sempre dava um jeito de quebrar o clima de romance do casal imiscuindo-se no meio dos dois, fingindo ser um suculento pedaço de carne a completar o sanduíche. Nunca descobrimos de quem o pirralho sentia ou sente ciúme, se do pai ou da mãe. De qualquer forma, roubar um abraço apertado da digníssima senhora, a partir de então, apenas na calada da noite.

Ontem, o moleque nos chama para seu quarto. Ordena à mãe, apontando para o canto da cama, encostado na parede:

- Mamãe, deita ali.

Ela obedece, porque não é besta e já imaginando o desenrolar da cena. Ele, então, resolver deitar-se ao lado da mãe, no meio da cama e, então, ordena ao outro serviçal:
- Papai, agora você deita aqui.

Deito no espaço que sobrou. Os três de barriga para cima, olhando para o teto. Ato contínuo, o fedelho para os braços atrás dos nossos pescoços, forçando-nos a chegar mais perto dele, rostos com rostos, rostos beijados, e suspira:

- Família!

Renata se vira pra mim e diz que posso começar a chorar. Eu digo que não vou chorar coisa nenhuma, embora lá dentro estivesse soluçando mais do que o próprio Miguel quando confiscamos o Ipad e seus famigerados joguinhos. Ela diz pro Miguel que é disso de que ele nunca deve esquecer, do carinho, do calor, do cheiro, do aconchego de quem o ama, que estaremos sempre ao seu lado, nas alegrias e nas tristezas. Como num casamento, ora.


Pronto, ritual cumprido, segue a vida. “Papai, vamos jogar bola?”. 


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