Miguel e a lógica

Ontem, uma funcionária da escolinha de natação onde Miguel finge dar umas braçadas ligou, informando que, devido a problemas técnicos na piscina, parece que uma das paredes que a circundam está para desabar sobre as raias, o que não é nada bom para a saúde cardiovascular das crianças, nesta semana não haverá aulas. Um banho de água fria no moleque, que espera ansiosamente as terças e as quintas.

A caminho da escola, hoje pela manhã, lembrei-o das más novas. Tranquilizei-o, que se despreocupasse, para tudo há solução, imagino que haverá algum tipo de compensação. Ele me pergunta o que é compensação e eu explico que, no caso em questão, é quando uma atividade que deveria acontecer não acontece no dia marcado e precisa ser remarcada em outra data. Portanto, as duas aulas de “porrada na água” (expressão usada pelo meu instrutor de remo nos meus áureos tempos de atleta) deveriam ser remarcadas, sem prejuízo das aulas regulares da próxima semana, quem sabe adicionando uma hora no tempo regulamentar. Foi, então, que a lógica de uma criança de oito anos destruiu a empáfia de um velho de quarenta.

- Mas, papai... Se a gente tiver mais tempo de aula, o pessoal da aula seguinte vai ter de fazer aula mais tarde, e a turma depois dessa vai ter de fazer no dia seguinte.

Tipo uma bola de neve, um círculo vicioso, um labirinto, um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Perceberam a lógica? Se todas as turmas forem compensadas, se o dia só tem vinte e quatro horas, se os horários das aulas são pré-determinados, se não há horários vagos, não há como compensar coisíssima alguma.

Penso, rapidamente, numa outra solução, evitando vexame ainda maior e limpando a insidiosa baba bovina que já começava a pender do canto da boca.

- Ou eles descontam, no valor da mensalidade, as aulas canceladas.

Silêncio, olhos rútilos pregados na criança (desculpem-me, mas sou intelectualmente tarado pelo Anjo Pornográfico). E agora?

- Ah, essa ideia é boa, papai!

Ufa! Esta resposta fez mais sentido, então.


É por essas e por outras que escolhi antropologia como óculos interpretativos da realidade. Letras, palavras, frases rebuscadas imprescindíveis, no campo acadêmico, para ganhar diplomas de mestrado e doutorado. Lógica? Números? Contas? Chama o Miguel. 


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