Polícia religiosa?

Leio que a prefeitura do Rio de Janeiro está realizando uma espécie de “censo religioso” junto à Guarda Municipal. O questionário tem apenas três perguntas: se o servidor professa alguma religião; se sim, se é católico, evangélico, espírita ou “outro”; se é ou não praticante. A justificativa dada para a ação, segundo a comandante da Guarda Municipal, é criar uma assistência religiosa aos servidores e que, após a consolidação dos dados do censo, a ideia é estabelecer uma capelania. A iniciativa foi criticada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio, que interpreta o levantamento como limitação e constrangimento dos profissionais, além de não incluir outras religiões como a Umbanda e o Candomblé, consideradas patrimônio imaterial da cidade.

Um breve parêntese no estilo “advogado do diabo”.

Quando matriculamos nosso filho numa escola municipal, nos foi perguntado se professávamos alguma religião dentre uma lista pré-estabelecida de meia dúzia de denominações, incluindo a categoria “outra”. Não me senti ofendido com a pergunta, porque a ideia é possibilitar o ensino religioso aos alunos fora do horário escolar regulamentar. Tendo a concordar, embora por motivos diversos, com a o mantra usado por muitos defensores da mistura entre Estado e religião que diz que “o Estado é laico, mas a sociedade não o é”. Apenas um Estado laico é capaz de garantir a diversidade religiosa, portanto, fortalecer a laicidade do Estado é garantir o respeito à identidade religiosa dos cidadãos. O Estado não pode ter religião, mas deve fornecer os meios para que os cidadãos exerçam sua religiosidade, inclusive seu ateísmo, se for o caso. O Estado laico nos resguarda do fundamentalismo, de polícias religiosas ao estilo saudita ou iraniano. Falo da garantia à cidadania cultural, entendendo cultura, aqui, de modo amplo, o que inclui as manifestações religiosas.

Fecha parênteses.

A questão que se coloca, conforme a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio, é a real motivação do censo religioso. Por que incluir esta religião e não aquela outra? Como foi definida a lista de parcas três denominações? O Censo 2010 do IBGE identificou mais de duas dezenas de religiões, portanto, e a despeito da Guarda Municipal não ter as pretensões científicas e metodológicas dos técnicos do IBGE, é inexplicável a simplicidade do questionário aplicado aos servidores municipais. Ou se colocam todas as categorias ou não se coloca nenhuma. Ou melhor: deixe-se um espaço em branco para o preenchimento voluntário, sem categorias pré-estabelecidas. E por que não uma capelania ecumênica? 

Relegar à categoria “outras” religiões seguidas por milhões de pessoas, além dos que se consideram sem religião ou simplesmente ateus (os espíritas somavam, em 2010, cerca de quatro milhões de adeptos, enquanto os sem religião, em torno de quinze milhões), invisibilizando seus adeptos, é diminui-los, deslegitima-los no mapa religioso da cidade, desrespeitá-los como portadores de uma identidade historicamente importante na sociedade brasileira. O poder de nomear ou não carrega em si o poder simbólico de reconhecer ou não o “outro” e, uma vez não reconhecido, deixa de ser objeto de políticas públicas democráticas.


Não quero desconfiar dos reais propósitos deste censo religioso, mas que é estranho, ah, isso é...  



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