Deixa de viadagem!



Estávamos no segundo turno das últimas eleições municipais do Rio de Janeiro. Na casa de amigos, discutiam-se as propostas dos dois candidatos que duelavam pela cadeira de alcaide da outrora cidade maravilhosa. Então, um rapaz resolve lembrar que Marcelo Freixo, representante das camadas médias intelectualizadas e que acabou sendo derrotado pelo bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella, estaria disposto a implantar um tal de “kit gay”. Que diabos seria isso? Meu interlocutor não sabia defini-lo claramente, mas teria algo a ver com “ensinar as crianças a virarem gays”. Levantei a possibilidade de a proposta de Freixo, se é que havia alguma proposta relacionada ao tema, ser a de educação sexual, de ensinar os alunos a lidarem com seu corpo, sua sexualidade, de extirpar estigmas, de descriminalizar, de retirar a carga negativa, o sentido patológico de práticas não conformes com a heterossexualidade. Porque, ao demonstrar preocupação com a possibilidade de ter um filho ou filha homossexual, meu interlocutor transformou a diversidade sexual, vivida, experimentada e, por que não, ensinada, em desvio a ser combatido em nome da “inocência”de nossas criancinhas.

Infelizmente, o folclore do “kit gay” ganhou contornos reais e preocupantes após a sentença de um juiz federal do Distrito Federal, que concedeu liminar para que psicólogos ofereçam a terapia de reversão sexual, conhecida como ‘cura gay’. O “tratamento” de reorientação sexual é proibido pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999, quando uma resolução afirmou taxativamente que a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”, afirmação esta corroborada pela Organização Mundial de Saúde e por estudos científicos nacionais e internacionais que apontam a ineficácia do “tratamento”.

Para além da ineficácia, os “doentes” sofrem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico. E por quê? Porque a doença não é a homossexualidade do indivíduo, mas a sua dificuldade em lidar com o próprio corpo, com a pressão que, eventualmente, a família, amigos, colegas de trabalho, os meios de comunicação e demais contextos sociais exercem em nome da normalidade heteronormativa. Quem deve ser curada é a sociedade, consumida pelo vírus da homofobia, do machismo, da violência de gênero, da intolerância de tudo quanto é tipo.   

Mas, pensando bem, abriu-se um novo nicho de mercado para os psicólogos. Em tempos de crise, até que é uma boa notícia. Sejamos otimistas, o copo meio cheio. 



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