Paciência de Jó (ou melhor, de Jô)



Então você está em casa num domingo à tarde, tomando aquela cervejinha inocente em frente à televisão, acompanhando mais uma rodada do campeonato brasileiro de ludopédio. No cardápio, o Corinthians, mais líder do que nunca, enfrentando o Vasco do Gama do Eurico Miranda. Não sou daqueles que soltam fogos de artifício quando os adversários perdem, até porque sinto na pele quando meu Flamengo é derrotado e a torcida arco-íris não me deixa dormir em paz. Faz parte do jogo, levo numa boa. Um dia é da caça e o outro, do caçador. No entanto, e com todo o respeito, às favas com os bons modos, queria mesmo era que o cruzmaltino tomasse uma sova histórica. Então, já na metade do segundo tempo, numa bola alçada na pequena área vascaína, o atacante corintiano Jô, aparentemente num mergulho de cabeça, faz o gol que distancia ainda mais o “timão”do segundo colocado, o Grêmio de Porto Alegre. Disse aparentemente porque o goleiro vascaíno, o uruguaio Martín Silva, desespera-se e corre para o bandeirinha, sinalizando que o atacante corintiano havia feito o gol de maneira irregular, com o braço, e não com a cabeça. Alheio às reclamações, o juiz confirma o gol e o Vasco da Gama colheu, no final da tarde do último domingo, mais uma derrota.

Com os recursos tecnológicos disponíveis, a imagem recuperada uma, duas, três, quinze vezes, não sobrou qualquer sombra de dúvida sobre a ilicitude do gol corintiano, o atacante Jô realmente havia trocado a cabeça pelo braço. Pego com a “boca na botija”, afirmou candidamente, ainda no domingo, que não sabia onde, exatamente, a bola havia batido antes de estufar as redes adversárias e que, se o juiz validou o gol, não houve irregularidade. O argumento da isenção do jogador em detrimento da responsabilidade exclusiva do juiz foi reproduzido por comentaristas esportivos e, surpreendentemente, por jogadores do próprio Vasco da Gama. Talvez orientado por sua assessoria de imprensa, por advogados, por marqueteiros, por dirigentes do seu clube ou por quem quer que seja, e percebendo que suas declarações, por incontestavelmente mentirosas, deveriam ser “relativizadas”, ou melhor, “explicadas”, Jô tentou minimizar o dano à sua imagem, que é o que importa na sociedade do espetáculo. Admitiu o óbvio ululante, que a bola havia batido em seu braço, embora não tivesse a intenção de “trapacear”, o que, particularmente, acredito.

O atacante corintiano não quis trapacear, mas não admitiu a infração porque a infração anularia o gol que daria os três pontos da vitória, e não o ponto solitário concedido em caso de empate. Admitiu a infração apenas quando as imagens, falando mais do que mil palavras, não podiam ser negadas. Ao afirmar, inicialmente, que “se o juiz deu o gol, não houve irregularidade”, Jô retirou de si a responsabilidade moral de agir honestamente porque, nesta lógica perversa e cínica, o que os olhos não veem, o coração não sente (pergunta aos vascaínos...). No entanto, a ação moral independe do outro, é uma postura diante do mundo. Eu, por exemplo, não jogo lixo no chão porque é errado e ponto final, não deixo de sujar a calçada porque, eventualmente, um guarda municipal ou uma câmera da prefeitura pode me flagrar no ato.

Jô, lamentavelmente, não é um ponto fora da curva, ele é pura e simplesmente o reflexo de uma sociedade cada vez mais cínica e hipócrita. Nunca a famosa Lei de Gérson, de levar vantagem em tudo, esteve tão em voga. 


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