Eu sou mulher

Antes do advento inestimável da Netflix, cansei de ver e rever “Everybody loves Raymond”, uma das minhas séries favoritas. Ray Barone é um jornalista esportivo de ascendência italiana, estereotipicamente machista e assombrado diuturnamente pelos pais que moram no outro lado da rua, casado com Debra, um ex-cheerleader que abriu mão da carreira de jornalista para cuidar dos três filhos. Ray deixa escapar, certa vez, que “paga as contas da casa” e, portanto, deve ser respeitado, é a autoridade da casa, manda quem, obedece quem tem juízo. Debra, então, apresenta as contas dos afazeres domésticos, aquelas tarefas que não geram renda, que não são remuneradas, embora, se realizadas por pessoas de fora da família, gerariam despesas nada desprezíveis.

Lembrei deste episódio ao ler reportagem sobre recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica – IBGE, em que ficamos sabendo que as mulheres trabalham, em média, três horas semanais a mais que os homens. Entre as ocupadas - ou seja, que estão no mercado de trabalho - são 7,5 horas a mais dedicadas aos afazeres domésticos em relação aos homens. Enquanto os homens ocupados trabalham, em média, 51,6 horas por semana (41,1 horas no emprego e 10,5 horas em casa), as mulheres trabalham 54,5 horas nessa mesma comparação (36,5 horas no emprego e 18 horas nos afazeres domésticos). Ou seja, em média, os homens trabalham mais fora de casa, embora permanece desproporcional – para baixo - sua participação nos afazeres domésticos.

O IBGE investigou 12 tipos de afazeres domésticos, divididos em dois grupos: cuidados com os familiares e cuidados com o lar. As mulheres têm maior participação em 11 delas:  alimentar, vestir, pentear, dar remédio, dar banho, trocar fralda, por para dormir; ajudar nas tarefas de casa; ler, jogar e brincar; cuidar ou fazer companhia; levar à escola, médico ou parque; cozinhar, arrumar a mesa e lavar a louça; lavar roupas e sapatos; limpar a casa, a garagem e o quintal; pagar contas, contratar serviços; fazer compras ou pesquisar preços; cuidar dos animais domésticos.

Os homens se sobressaem, apenas, no quesito “pequenos reparos em casa, no carro ou de eletrodomésticos”, e se aproximam das mulheres no quesito “ler, jogar e brincar”. Ou seja, homens cozinham apenas por prazer, nos finais de semana para os amigos, tipo Master Chef, e aproveitam os momentos de relaxamento no parque ou praça, quando a obrigação dá lugar à diversão.

E não é que me descobri mulher?

Não sei trocar lâmpadas e não tenho carro. Adoro lavar louça – conheço outros pretensos machões que também gostam, que não vão admitir a falha de caráter - , embora esteja engatinhando na pilotagem das panelas, já com algum resultado positivo, que o diga a ordem expressa do Miguel para que eu faça aquele estrogonofe acompanhado de batatas rústicas. Patologicamente preocupado com sua saúde, marco consultas e dou os remédios indicados. Ponho-o para dormir e, não raro, acabo dormindo junto, fato que irrita sua mãe porque, quando o Miguel dorme, é o momento do casal curtir a vida. Levo à escola. Varro a casa. Pago contas. Faço compras naquele mercado mais em conta. Chamo o cara do gás, para consertar o aquecedor. A psicóloga da escola disse que eu não posso ser “pai amigo” o tempo todo.


Renata, pode depositar o cheque, ok?


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